segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Pontypool - O seu mundo seguro vai cair por terra.


Olá, pessoal. Nesta oportunidade, abordarei um filme de horror muito especial que lamentavelmente não recebeu a merecida guarida no Brasil, mas que pode vir a ser descoberto na internet ou DVD pelos fãs do gênero. Pontypool é uma produção independente canadense, brilhantemente executada, cujo charme reside no elenco afinado e no esmero com que o diretor do filme tratou a premissa, à primeira vista absurda (um vírus propagado... através da inflexão de palavras!). O filme oferece uma abordagem alternativa para os filmes de zumbis, já tão brilhantemente representados por produções como Madrugada dos Mortos e Extermínio. A proposta inovadora dividiu opiniões. As pessoas que preferem filmes de horror movimentados odiaram Pontypool, contudo os fãs abertos a novas experiências acolheram-no como uma das surpresas mais agradáveis de 2008, ano de lançamento do original.

Eu me lembro de um outro filme que assisti, chamado “Countdown to Looking Glass”, onde o possível cenário para a eclosão da Terceira Guerra Mundial nuclear era apresentado através de uma série de intervenções jornalísticas transmitidas do Oriente Médio. A estória se desenrolava pelo ponto de vista do âncora do jornal, em tempo real, que seguia fornecendo notícias cada vez mais perturbadoras oriundas do estreito de Ormuz, onde forças apoiadas pela União Soviética proibiam a passagem de petroleiros, e um porta-aviões norte-americano seguia à espreita no Golfo Pérsico, determinado a romper a barreira soviética. Submarinos nucleares por todos os lados, a tensão crescente cada vez mais grave, e o mundo inteiro em suspense, orando para que nenhuma das duas partes use mísseis nucleares primeiro... O filme apresentava um cenário muito real a toda a crise, quero dizer, você assistia a “Countdown to Looking Glass” e achava que aquela situação estava realmente se desenrolando. Era impossível não roer as unhas. Um dos filmes mais tensos que assisti, não há uma única cena de efeitos especiais - “Countdown to Looking Glass” apoiava-se exclusivamente em sua abordagem “Cinema Verdade” e na narrativa enxuta e seca. Neste sentido, causava o medo que as grandes produções fantásticas de Hollywood não conseguem reproduzir. Agora que não existe mais a União Soviética, e a Guerra Fria ficou para trás, é apavorante constatar o quão perto estivemos do confronto nuclear em grande escala. Quando Chernobyl aconteceu, em 1986, com a explosão do reator 04 e a disseminação de Césio-137 e Iodo radioativo por toda a Europa, pessoas morrendo de câncer na tireoide, foi como uma “palinha” do que poderia vir a a acontecer com o mundo, no caso de uma trocação nuclear com mísseis intercontinentais com ogivas nucleares nas pontas.

Pois bem. No caso deste filme, Pontypool, o cineasta Bruce McDonald resolveu oferecer uma abordagem semelhante à possibilidade de uma crise que trará o fim do mundo. O diretor esmiuça a trama através dos olhos de uma pequena equipe de uma estação de rádio na gélida cidadezinha canadense de Pontypool, em Ontário, Canadá, quando o que seria apenas um dia comum e entendiante se torna um surreal pesadelo, sugerido pelas informações cada vez mais contraditórias que chegam à estação pelas ondas retransmissoras, sobre essa epidemia de violência que parece ter acometido os cidadãos ordinários da cidade. Grant Mazzy (Stephen McHattie) é um disc jockey em fim de carreira, que queimou todas as pontes que tinha com os aliados, cortesia de seu comportamento irreverente, e agora se vê relegado a comandar a staff de uma simplória estação em Pontypool. A sua staff é composta por Sydney (Lisa Houle), a sua agente, e Laurel-ann (Georgina Reilly), a charmosa novata que adora flertar com Grant, o ex-astro.

É em uma madrugada de trabalho insuspeita que começam a chegar à estação relatos de pessoas desesperadas, com testemunhos sobre o comportamento bizarro disseminado entre os cidadãos de Pontypool. Inicialmente, fala-se em saque a comércios, mas logo se torna claro que os agressores parecem possessos e irracionais. Grant se recorda de que naquele dia, antes de chegar à estação, a caminho de Pontypool, pela vazia estrada deserta, durante a madrugada, quando teve de estacionar no acostamento por um momento para atender ao celular, uma estranha mulher subitamente bateu à janela do automóvel, balbuciando nonsense. Assustado com a aparição da mulher, Grant ainda baixou o vidro para procurar escutá-la melhor, porém a estranha desapareceu em seguida, engolida pela escuridão da noite, à beira da autoestrada gelada. O disc-jockey enxerga paralelos entre o inusitado comportamento da estranha e os relatos subsequentes que começam a se somar pelas ondas retransmissoras para compor um quadro aterrorizante: pessoas comuns subitamente cedendo à loucura, de um momento para o outro.

O drama é contado a partir do ponto de vista da staff da estação. Nós, espectadores, sabemos sobre o surto de loucura tanto quanto Grant e as duas colegas, e assim como o trio, nos sentimos igualmente dentro daquela estação escura enquanto a nevasca ruge do lado de fora. Neste sentido, Pontypool provoca o mesmo calafrio que “Countdown to Looking Glass”. Para os protagonistas, todo o mundo se resume ao espaço da estação, claustrofóbica, um tanto quanto sombria, aparentemente segura e isolada, dissociada do “mundo lá fora”, a verdade filtrada por relatos de terceiros. Simultaneamente, com as intromissões cada vez mais desesperadoras, e após a intervenção do Exército canadense sobre a cidadezinha, fica cada vez mais evidente que mesmo escondidos em um mundo à parte, logo mais, o horror e a loucura estarão batendo à porta, e não haverá escapatória.

O ponto mais forte de Pontypool consiste na atmosfera. Este não é um filme sobre zumbis, e sim uma obra sobre como um grupo de pessoas reage quando os pilares que regem a sociedade caem por terra. Os zumbis de Pontypool fazem apenas uma participação especial, pois quando chegam a aparecer, o fazem por um momento muito breve. Há ainda uma outra cena, apavorante, envolvendo uma pessoa tomada pela loucura, dentro da estação, arremessando-se contra o vidro à prova de som da cabine da rádio, espirrando sangue contra o vidro a cada investida, tentando chegar a Grant e a Sydney sem sucesso. Desconsiderando-se estas cenas pontuais, todavia, se o que você espera de Pontypool é o mesmo ritmo frenético de Madrugada dos Mortos e Extermínio, procure em outro lugar. Pontypool funciona mais como um filme de arte estilístico que oferece algo de refrescante ao gênero, nas linha de Orson Welles tocando o terror ao ler Guerra dos Mundos.

O elenco é sensacional. Apreciei o trabalho do ator principal, que constrói um personagem fácil de simpatizar. Grant é o tipo de cara cuja personalidade é maior do que a própria vida, irônico, descompromissadamente engraçado com as tiradas geniais. O ator nos brinda com uma dose adequada de irreverência, que parece balancear a tensão e a claustrofobia que permeia a estória. Sydney é o balanço perfeito à personalidade esfuziante de Grant – durona, mas ao mesmo tempo assertiva e sensível. Os dois parecem feitos um para o outro, muito embora briguem feito gata e rato!A performance excepcional de Pontypool cabe, porém, a Georgina Reilly. Não conhecia esta extraordinária atriz, mas posso afirmar que por todas as vezes em que esteve em cena, a sua presença fortaleceu o conjunto, levando o filme às alturas. De seus flertes inocentes com Grant, passando pelos instantes em que o contempla com olhares vagos e misteriosos, até o final, quando cede à loucura, e, tomada pelo vírus, tenta arrebentar o vidro da cabine para chegar a Grant e a Sydney, as sequências de Pontypool que restaram mais frescas em minha memória foram aquelas que a envolveram, direta ou indiretamente.

A direção é precisa, a fotografia deslumbrante. A cena inicial - Grant cruzando uma gélida, vazia autoestrada em Ontário, parando no acostamento, e a visão da mulher saindo da margem da estrada para abordá-lo à janela – dá o tom correto ao que está por vir, e após a brilhante introdução, o diretor Bruce McDonald, adaptando o romance original de Tony Burgess, Pontypool Changes Everything, não deixa a peteca cair. Pontypool o convidará a passar um dia misterioso e gelado dentro de uma escura, apertada estação de rádio, enquanto o mundo como você conhece é destruído e rearranjado por hordas de vítimas enlouquecidas. Apenas lembre-se que, por mais que pareça alheio ao mundo lá fora, por mais que se sinta seguro em seu microcosmo que é a estação, mais cedo ou mais tarde o perigo baterá na sua porta, e o horror externo, ameaçador e gigantesco, esmagará o seu frágil mundinho isolado.
Todos os direitos autorais reservados a IFC Filmes. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.

Um comentário: